terça-feira, 15 de setembro de 2009

Uma reunião de cristãos (relato ficcional)

Um certo grupo de cristãos um tanto esquisito costumava se reunir, em clima de fraternal convivência, nas dependências do Programa de Posgraduação da Universidade Federal da Paraiba. A pesar das divergências entre si, costumavam se debruçar, com elogiável dedicação, sobre o estudo dos textos sagrados do cristianismo, não faltando, contudo, freqüentes referências fraternais a outras vertentes da religiosidade humana. Certa vez, entretanto, ocorrera fato destoante desse clima pacífico e colaborativo entre os irmãos. Um deles, parecendo um profeta, não poucas vezes, embora por sorte raramente, já que nem sempre participava das reuniões do grupo, costumava intervir de modo intempestivo, sem se importar com quem estivesse falando ou com o que estivesse sendo dito. Outros, não menos estranhos, incluíam um teólogo suspeito, oriundo de igreja, que deliciava os irmãos com a sua voz pausada e doce, não poucas vezes aclarando pontos obscuros no entendimento da Palavra de Deus; um outro dissidente do catolicismo, conhecido por persistente ação desprivatizante da ação do Espírito no mundo, frequentemente visto em diversas campanhas e mobilizações sociais, bem como em encontros de educação, filologia, história e poesia medieval, repentismo, freireanismo, e outros ismos com os que não pretendemos cansar os leitores e leitoras. Outro, ainda, conhecido pela militância subversiva nos anos de chumbo, o que lhe rendera prisão pela mão dos generais dos anos 60, insistia, não poucas vezes, em aspectos da religiosidade prática, trazendo a atenção dos irmãos para a ação, nem tanto a teoria ou a teologia, que, no entanto, respeitava. Mais um, para completar a galeria de raridades e esquisitices, dizia ser filósofo e educador, e deliciava o grupo com charadas e provocações que traziam alegria a todos, insistindo no holismo, na filosofia oriental, da qual era profundo conhecedor, se caracterizando por neologismos como Senhor Mãe, com que costumava chamar o Criador ou a Criadora do Universo, de todas as coisas. Por último, mas não menos importante, last, not least, como dizem que dizem os ingleses, um certo aposentado, como os anteriores, pertencente à Pastoral dos Aposentados, também sociólogo e não teólogo, como deveria ou poderia se esperar que fosse num grupo desta natureza. Este último ser, a quem inútilmente poderia se tentar catalogar em alguma categoria do real, se aprazia em contradizer sistematicamente toda tentativa de sistematização, se é que me entendes. Ou seja, fazia tudo por manter o caráter anárquico do grupo, a liberdade que não poucas vezes ameaçava, como no fato que vamos narrar, a paz do grupo. Desta vez, uma senhora, amiga de um dos irmãos, chegara em momentos em que se ouvia o embate de espadas na sala, coisa rara, mas assim era. Som de metal, gritos, ora em inglês, ora em espanhol, e vozes em português chamando à cordura. A convidada, supresa, se detivera na porta da sala da Posgraduação em Educação, local de reunião, como já foi dito, do referido grupo estranho de cristãos ecumênicos. Pois não era esse o motivo da luta?

--Eu são católico e você não é.
--Isso é o que você pensa, eu sou mais católico que você.
--Como assim? Não entendi e não gostei (pausa na batalha)

--Sob a ótica do todo, isso significa católico.
--E é, é?
--É, sim.
--Tem certeza?
--Ô se tenho. Então, mal que possa soar a alguns, somos todos católicos e fim de papo.

Após estes acontecimentos, ocorridos em um tempo de que não se tem registro, o grupo continuou como sempre, se encontrando em clima de união e paz. Tenho dito. É isto.

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