terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Continuidade

Todas as pessoas tem algo a dizer. Uma sociedade baseada na separatividade, decide que a fala de alguns vale e a dos outros é irrelevante. Surge assim a odiosa distinção entre o erudito e o popular, entre o intelectual e o ignorante. Em algum momento da sua vida, você poderá recordar as suas origens, pessoas e falas de gente que tinha muito pouco ou nenhum grau de instrução. Essas falas e essa gente deixaram em você marcas que o tempo não apagou. Nem sempre se fala com palavras, muitas vezes se dizem coisas com a presença, com o olhar, com gestos. E muitas dessas pessoas humildes cujas falas ainda te dizem coisas, pode ser que já não estejam mais, pode ser que tenham ido para outros lugares, ou ainda que tenham morrido. Olhas para os anos passados, a vida toda que te foi dado viver, tanta gente, tantos caminhos, tantas falas, e muitas delas prevalecem, outras são como um eco evanescente, quase apagado. O tempo guarda todas as memórias. Guarda a lembrança de livros e revistas, jornais, filmes, tudo fica armazenado. E em horas em que a mente vaga aparentemente sem direção, tudo se costura. O tecido da lembrança e o presente se tornam uma coisa só. Nessas horas, percebes a continuidade da vida, e nessas horas, as falas das pessoas que não eram eruditas nem intelectuais, te dizem coisas que guardas na tua lembrança. Gente que reparava no tempo, nas flores, nos animais, na montanha, no vento, no chão. Gente que não falava de filosofia nem de religião ou sociologia nem de coisas profundas. Gente que vive num dia a dia de que muitas vezes tanto te distancias que é como se para você não existisse. De fato, para você esse dia a dia é inexistente, não diz nada, não é nada. Contudo, é a vida de muita gente que desconheces ou reconheces, dependendo de por onde andas e o que falas e o que escutas. Não creio que haja coisas mais importantes do que outras, embora o treinamento intelectualista tenha conseguido muitas vezes me convencer do contrário. Hoje, no ponto da estrada em que me encontro, vejo duas vertentes, e ambas se encontram neste lugar. Dois tipos de saberes, e ambos entrelaçados. Aquelas falas antigas que falam da telenovela e da verdura e do que ocorreu na casa ou no jardim, voltam nesta manhã em que o gotejar da chuva que cai do teto, me lembram de outra continuidade, uma que muitas vezes me faz bem recordar. Um livro lido, uma conversa, tudo pode ser uma chave que reúne coisas que estão juntas na tua experiência.

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