segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Precisamente. Pessoalmente. Pressa. Pressão. Prisão.


Gosto de brincar com palavras. Sempre gostei e continuo a gostar. Coisa de escritor, poeta. Seja como for, é um gosto que saboreio e pratico à vontade. Sem restrições. Não é a mesma coisa uma palavra do que outra, embora nos dias de hoje esteja muito difundido o hábito de dizer não se sabe bem o quê. A despalavra, o desfazimento da fala e da comunicação, é a base da confusão e da dominação. Se não sei o que estou dizendo nem o que estou a ouvir, estou perdido. Muitas e muitas vezes me vejo obrigado a pedir a pessoas que a mim se dirigem, que parem. Palavras demais me atordoam. Necessito parar. Me deter. Cada vez mais ando no meu próprio ritmo. Dessa maneira posso saber o que fazer. Aonde estou indo? O que está acontecendo? O que é que eu quero? O que é isto? Quem é que está aqui? Tenho sido trazido de volta para o mundo do silêncio. No silêncio piso o chão. Sinto a terra sob os meus pés. Estou seguro. O silêncio permite a escuta. Quando escuto vejo. Quando vejo sei. Quando sei o que vejo e escuto sei quem sou e o que quero e aonde estou e para onde vou. Se estou em silêncio posso saber se necessito de fato comprar isto ou aquilo. Se preciso de fato ir a um lugar ou outro ou se fico onde estou. Parecem coisas banais, mas nada há de banal neste bananal. Piadas à parte (que bom era quando fazíamos piadas, lembram?) parece-me de enorme importância prestar atenção ao que digo. As palavras são as coisas. Elas não meramente se referem às coisas, elas são a própria coisa. Quando percebo isto, vivo no meu próprio mundo. É um mundo que faço por mim mesmo. Pessoalmente. Tranquilamente. Do meu jeito. Sem pressa nem pausa. Ou com todas as pausas do mundo. Ao contrário, quando me sinto pressionado, não sou mais eu. É alguém que está aqui no meu lugar me usurpando, usando a minha identidade. Tentando cumprir papéis que foram impostos. É um roubo de personalidade. Detesto e resisto às invasões. Deve ser uma sequela de toda uma vida ameaçada por todos os lados, para que me adaptasse a normas e exigências. Não têm mais exigências. Apenas distância, nada de multidões, higiene das mãos. Sem aglomerações. As únicas multidões que acolho e aceito de bom grado são as que me constituem por dentro. Meus seres queridos e as minhas múltiplas personalidades, identidades, dimensões. Estas formam canções que me embalam e me aninham no eterno. Pelejei muito para ser quem sou. Guardo lembranças desta longa travessia e contemplo no meu interior muitas vezes toda esta jornada que agora está num ponto de difícil expressão em palavras. É muito forte esta sensação. É como estar no topo da montanha e ver de um lado e do outro. As ladeiras íngremes descendo para as profundezas. Um ponto apenas. É tudo que sou. É o que escreve. É isto que está aqui. Quando desatendo o que penso, sinto, digo e escuto, caio numa prisão, num extravio. Desvivo o meu ser. Se desfaz o meu estar aqui numa espécie de ausência da qual saí e continuo a sair como um nadador que insiste com força no meio das ondas, para conseguir chegar à praia. Prefiro ficar em silêncio do que dizer palavras não minhas. Outras vezes solto alguma palavra e ela por si mesma vai dizendo algo que eu fico sabendo ao escutar. O jogo é de um lado e do outro. As palavras abrem caminho, muitas vezes. Algo deve ser dito e ouvido e eu sou a voz que diz e ouve. 

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